Por Lúcio Carril
APRESENTAÇÃO | Herberson Sonkha
Na literatura, como na história, há personagens que simbolizam as contradições de seu tempo. Em “O ocaso de um artista que abraçou o fascismo”, o sociólogo amazonense Lúcio Carril expõe, com precisão dialética e sensibilidade literária, a degeneração de um homem que, tendo emergido da cultura popular, renegou seu próprio passado para se tornar um propagandista da opressão.
A narrativa segue o declínio de um artista que, outrora símbolo da liberdade e da rebeldia, transita da arte popular para a defesa das mais hediondas formas de autoritarismo. Carril constrói com ironia mordaz e melancolia crítica o percurso de um indivíduo que, ao abandonar os valores progressistas, não encontra apenas o isolamento social, mas o vazio histórico daqueles que se tornam lacaios da reação.
Mais do que um drama pessoal, a crônica revela um fenômeno recorrente em tempos de crise: a adesão de setores da intelectualidade e da arte ao fascismo. Trata-se de um alerta, um chamado à reflexão sobre os perigos do revisionismo e da traição de classe, que não são meros desvios individuais, mas sintomas da decadência de um sistema que se defende com as armas da mentira, do medo e da violência.
A história julgará, como sempre julga. E, como nos lembra Lúcio Carril, aqueles que abandonam o povo e a arte em nome da barbárie acabam condenados ao esquecimento – sem luar, sem canção e sem futuro.
O OCASO DE UM ARTISTA QUE ABRAÇOU O FASCISMO
Lúcio Carril
Nunca amou os Beatles e os Rolling Stones, mas se fez artista.
Com sandálias havaianas, calça jeans desbotada e cabelos soltos ao vento, perambulava pelas ruas da cidade carregando seu violão Giannini. Chamava atenção aquele homem de estatura mediana e estilo ripongo.
Nunca falou, mas deve ter sido influenciado pelo movimento hippie dos anos 1960, quando a juventude se rebelou contra o conservadorismo dominante. Pelo menos se vestia no mesmo estilo rebelde, despojado e desafiador.
E assim fez seu nome como artista. Construiu amigos e amigas, teve mulheres, filhos e filhas. Era boa pessoa, carinhoso, atencioso.
O tempo passou. Ficou velho. Os cabelos maltratados não mais voavam ao vento. Já não andava mais com seu violão — “velho parceiro”, como ele costumava dizer. Sempre o via caminhando, de cabeça baixa, olhar entristecido, sorriso amarelado. Não fazia mais shows, e seus amigos não sabiam se ainda compunha aquelas canções que acalentavam suas noites regadas a várias geladas.
Certo dia, todos se surpreenderam. O velho artista tinha se convertido à mais hedionda prática política e cultural: o fascismo.
Nas redes sociais, passou a defender a violência, a censura, a homofobia e todas as coisas que caracterizam o fascismo nos dias atuais. Tornou-se implacável. De artista popular virou um militante reacionário, propagador de notícias falsas e seguidor de um líder enojado em todo o mundo.
Seus amigos e admiradores deixaram de ser seus amigos e admiradores. Aquele artista da paz, que lembrava o movimento libertário dos anos 1960, agora era um adepto dos horrores do preconceito e da mentira.
Era o ocaso de um artista. Agora seu caminhar era titubeante, e suas noites não tinham mais luar. O desbotado da sua roupa passou a significar o cinza da infelicidade, e suas sandálias simples pisavam nas orquídeas terrestres.
Triste fim. O artista largou a arte para mergulhar na lama pútrida do fascismo.
Referências e Direitos Autorais
CARRIL, Lúcio. O ocaso de um artista que abraçou o fascismo. Blog do Sonkha, 2025. Publicado com autorização do autor.
Sobre o autor:
Lúcio Carril é sociólogo, colunista Brasil Nordeste Comunicações (BCN) com especialização em Gestão e Políticas Públicas pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo – FESPSP.
Sobre o editor:
Herberson Sonkha é editor do Blog do Sonkha, espaço dedicado à literatura crítica e à análise marxista-leninista da cultura e da sociedade contemporânea.
Nota Editorial
A presente publicação segue os critérios técnicos de edição acadêmica, garantindo a fidedignidade do texto original e sua correta formatação para fins literários e acadêmicos. Todos os direitos sobre o texto pertencem ao autor, sendo esta reprodução autorizada exclusivamente para o Blog do Sonkha.
Texto de responsabilidade do autor
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