O dia não estava pra chuva nem para trovoadas, mas tudo se fez cinza. O amanhecer não teve aurora, porque aurora tem poesia. Não houve brilho, só escuridão. Até as pedras se incomodaram com aquele dia nefasto.

Não era um dia comum. Noutros dias não havia coturnos nem tanques; e o dia também não era cinza.

Homens carrancudos tomaram conta das ruas e pintaram o asfalto de vermelho com o sangue dos homens de bem. Nada era normal. Só um rastro de sangue era deixado pelo corpo arrastado.

Nunca vou esquecer o dia 31 de março de 1964. Foi um dia cinza com rastro de sangue dos meus irmãos e irmãs.

Muito sangue jorrou dos porões fétidos da tortura. A humilhação virou arma e nem mesmo o homem sem cor se salvou. Qualquer um era culpado, sujeito aos maus-tratos dos vegetais fardados.

O dia ficou cinza, cheio de tristeza e com cheiro de morte.

Era um golpe duro contra a vida. Ninguém queria viver num país cinza, com o vermelho escorrendo apenas do corpo de quem pensava em democracia.

Todos os dias viraram dias de tristeza e sofrimento. A vida ficou pior com milicos dando ordens e fazendo safadezas.

Foram tempos duros, com gente de bem sendo presa, torturada e morta para não deixar o sol raiar.

Dias difíceis. E ainda sentimos o cheiro da podridão exalando dos clubes de pijamas verdes e de vermes saudosos da tortura.

Vencemos mais uma vez o obscurantismo.

A democracia sempre vencerá. Ninguém nasceu para viver em dias cinzas. Que o raiar do dia traga na sua beleza a esperança e a justiça social.

Lúcio Carril 

sociólogo

 

 

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