Situada na margem esquerda do Río Negro, Manaus vive a experiência nefasta das políticas de hecatombe bancadas pela elite e por uma direita irresponsável.

A cidade foi construída sobre os cadáveres do povo Manáos. Do Forte de São José do Rio Negro, o cheiro de pólvora e do sangue indígena se misturavam ao refestelo dos soldados da corte portuguesa.

Não faz muito tempo, uns caçadores de esqueletos violaram mais um cemitério indígena no centro de Manaus, numa praça honrosamente conhecida como praça das putas.

E assim conseguem matar essa gente mais uma vez, desrespeitando suas crenças e mitos.

Manaus foi vítima de um modelo desumano de civilização.

Aqui, jogaram milhares de irmãos nordestinos, expulsos pela diáspora da seca do sertão e transformados em mulas da borracha na Amazônia. Era o tempo da “folia do látex”, muito bem descrito e analisado pelo escritor amazonense Márcio Souza.

Um capitalismo comercial tardio deixou um rastro de miséria em Manaus. O comércio da borracha da Amazônia também criou uma elite econômica sem identidade e sem sensibilidade.

O “ouro negro” era enviado para desenvolver o capitalismo industrial da Europa e depois para alimentar a indústria bélica. Pra lá, o desenvolvimento e a nova Divisão Internacional do Trabalho. Pra cá, os corpos esquálidos pela fome, pelas doenças e pelo abandono.

Mas os seringais ganharam outra forma, como diz o poeta Aldísio Filgueiras.

O capitalismo monopolista montou suas fábricas às margens do mesmo Rio Negro onde nasceu Manaus e adentrou a cidade, como quem se expande para dominar.

O “novo seringal” não trouxe riqueza. Nem mesmo um teatro ou um “mocó” para ajudar no abastecimento de água da cidade. Daqui, só em 2023, levou mais de 160 bilhões de reais.

Você sabe quanto é a média da hora de trabalho paga aos trabalhadores do Distrito Industrial? 11,85 reais. Pode chorar, mas é a mais pura verdade: o “novo seringal” continua distribuindo miséria para muitos e riquezas para poucos.

Segundo o censo de 2022, Manaus teve o maior crescimento populacional do país (14,6%) e também é a campeã de favelização. Com 2,06 milhões de habitantes, a cidade tem hoje cerca de 50 comunidades ameaçadas de despejo pela disputa de terras, que ganharam maior valor com a procura.

Segundo o Instituto Trata Brasil, Manaus está entre as 20 piores cidades em tratamento de esgoto do país, com 21,58% de atendimento nessa área.

Eis uma das consequências dessa realidade: as internações devido a diarreias são de 56,5 para cada 1.000 manauaras. A Organização Mundial de Saúde (OMS) alerta que o saneamento básico precário é uma ameaça à saúde humana.

Os problemas de Manaus são muitos. O povo sabe e vive, mas sua escolha política continua comprometendo a saúde da cidade.

A capital do Amazonas é a mais populosa da região norte, no entanto não há uma gestão planejada para atender suas velhas e novas demandas. Têm 56% da população de um estado que tem mais de 62% do seu povo em situação de insegurança alimentar.

A cidade é um organismo vivo. Se ela não for cuidada, entra em colapso. E é isso que está acontecendo.

Uma chuva forte leva milhares de famílias ao desespero e nada é feito, ou melhor, é feito: o prefeito está construindo um parque temático cafona na entrada do distrito industrial. É um brincante.

É preciso que nosso povo reaja, assim como reagiu Ajuricaba ao inimigo colonizador. Nossa cidade pode ser bela com um povo feliz, mas não dá mais para deixá-la nas mãos de gestores incompetentes, corruptos e golpistas.

Não dá para esquecer a mais recente carnificina feita em Manaus na pandemia, quando o povo foi vítima de uma experiência macabra que matou mais de 14 mil pessoas. O genocida responsável por isso tem seus representantes aqui.

Este ano tem eleição e da sua escolha depende o presente e o futuro de Manaus.

 

Lúcio Carril 

Sociólogo

 

 

Foto: Kadu Oliveira