O Agosto Lilás, campanha nacional de conscientização sobre a violência contra a mulher, ganha força a cada ano, lembrando a importância da Lei Maria da Penha, que completa 19 anos em 2025. Segundo a pesquisadora do Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz), Corina Mendes, “a Lei Maria da Penha tem por objetivo criar mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher”, abrangendo desde agressões físicas até danos psicológicos e morais.
Para Corina, compreender os diferentes tipos de violência é fundamental: “definições, classificações e categorizações de expressões da violência são estratégias para que possamos pactuar socialmente o reconhecimento destas e possamos agir de forma a identificar, prevenir, promover comportamentos protetores e responsabilizar autores diretos e indiretos”.
Apesar dos avanços, desafios persistem, especialmente diante das altas taxas de feminicídio, que chegaram a 1.492 casos no Brasil em 2024, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2025 (ABSP) . A subnotificação ainda é um problema crítico: “Grande parte das violências contra mulheres e meninas ocorrem no âmbito familiar e doméstico, sendo os autores pessoas que deveriam proteger e com as quais elas têm vínculos de afeto e, muitas vezes, dependência emocional e financeira”, alerta Corina. Ela destaca sinais de atenção que familiares, amigos e profissionais de saúde devem observar, como isolamento social, mudanças na autoestima, medo de contato físico e necessidade de autorização para decisões cotidianas.
Além da altas taxas de feminicídio, em 2024, o Brasil registrou 87.545 estupros, o maior número da história, conforme o ABSP. Os dados mostram que a violência de gênero atinge de forma desproporcional meninas, mulheres negras e aquelas em situação de vulnerabilidade, em grande parte dentro do próprio lar: 80% dos feminicídios foram cometidos por companheiros ou ex-companheiros e 64% das vítimas eram negras.
Outras formas de violência também apresentaram crescimento, como o stalking: 18,2%, (refere-se a uma conduta de perseguição persistente e obsessiva, que pode ocorrer tanto no mundo físico quanto no virtual; é um crime que envolve a invasão da privacidade e a perturbação da liberdade de uma pessoa, causando-lhe medo, ansiedade e prejuízos à sua saúde mental); e a violência psicológica (6,3%), evidenciando que a violência contra as mulheres no Brasil segue um padrão estrutural e persistente. Entre janeiro e julho de 2025, a Central de Atendimento à Mulher “Ligue 180” recebeu 86 mil denúncias, quase metade envolvendo parceiros ou ex-parceiros, com predominância da violência física (41,4%) e psicológica (27,9%).
O cenário no Rio de Janeiro confirma essa realidade. O Dossiê Mulher do Instituto de Segurança Pública (ISP-RJ) aponta que, em 2024, mais de 110 mil mulheres foram vítimas de violência no estado. A maioria das agressões, incluindo estupros (71,9%) e feminicídios (62%), ocorreu dentro das residências, destacando o espaço doméstico como um dos mais inseguros para as mulheres. A violência física aparece como a ocorrência mais comum, com 42.423 vítimas registradas, e novamente a desigualdade racial se sobressai: 55,8% das vítimas de estupro eram negras e a taxa de homicídios dolosos entre mulheres negras é mais que o dobro da observada entre mulheres brancas.

Campanhas como o Agosto Lilás têm papel decisivo na transformação de símbolos em ações concretas. A pesquisadora do IFF/Fiocruz, Corina Mendes afirma que essas iniciativas fortalecem canais de denúncia e protocolos de proteção, promovendo a visibilidade das violências e incentivando a busca por ajuda. “Ao refletirmos sobre a subnotificação, de qualquer das formas já previstas nos sistemas de informações, é fundamental considerar aspectos que vão da falta de capacitação dos profissionais, que deveriam preencher os instrumentos que coletam dados, até os estigmas e preconceitos que produzem revitimizações”, explica.
O IFF/Fiocruz atua de forma integrada, considerando as vulnerabilidades de mulheres negras e residentes de territórios periféricos, mais expostas à violência e ao feminicídio. A instituição contribui com atendimento especializado, pesquisa científica, ensino e articulação com políticas públicas. Corina ressalta que essa atuação não apenas fortalece a rede de proteção, mas também serve de referência para outros países da América Latina. “Assistir, acolher, produzir evidências científicas e influenciar políticas públicas são aprendizados que podem inspirar iniciativas semelhantes em outros contextos”.
Com a mobilização de diferentes setores da sociedade, o Agosto Lilás reforça a urgência de prevenir e combater todas as formas de violência de gênero, fortalecendo a segurança e a autonomia das mulheres em todo o país. O diálogo entre políticas públicas, educação, tecnologia e ciência é apontado como caminho essencial para reduzir desigualdades e garantir direitos, consolidando o legado de Maria da Penha e de tantas mulheres que lutam por justiça.