Rila Arruda, Socióloga, Ma.

 
O presente texto não é uma matéria jornalística, mas sim um texto sociológico para apresentar temas importantes, como: violência, crime, poder e gênero, e, ao final, dar como exemplo o caso da agressão praticada pelo DJ Ivis, exposto na internet no domingo, dia 11 de julho de 2021 e bastante noticiado pela imprensa tradicional na segunda-feira, dia 12. O objetivo não é adentrar-se nos detalhes do caso e nem nas cenas de violência física contra a vítima Pamella Holanda, mas sim trazer ao debate um fator determinante, a relação de poder, e como isso faz parte das estruturas sociais.
Para começar, é necessário entender o que é violência. Sobre o termo, não há um consenso universal do seu conceito, devendo ser entendido como fenômeno polissêmico, e sempre é preciso levar em conta a consciência coletiva de comunidades ou grupos étnicos, assim como as normas jurídicas e institucionais de cada país. A palavra tem sua etimologia no latim violentia do verbo violare que significa profanar e transgredir. Seus usos mais recorrentes estão ligados aos fatos e às ações (estados e atos) através da força do sentimento. Na História há um debate que os primeiros casos de violência estejam ligados a disputas de terras no início da agricultura, e a guerra é um exemplo recorrente ao longo da História, como manifestação direta da violência além das fronteiras. Cada área de conhecimento tem definido os tipos de violências e o Direito tipifica. Segundo Yves Michaud, a violência é sempre definida e entendida em função de valores que constituem o sagrado do grupo de referência.

O crime é a conduta que viola a lei. Quando se fala de crime, é preciso também falar do desvio e das normas sociais. Para o clássico da Sociologia, Émile Durkheim, o crime é um fato social normal, pois existe em todas as sociedades, e pode ser considerado fato social patológico quando as taxas de ocorrências estão elevadas e demostradas pela estatística. O desvio é entendido como aquilo que não está em conformidade com determinado conjunto de normas aceitas por um número significativo de pessoas de uma comunidade ou sociedade. As normas sociais são fortemente influenciadas pelas divisões de classes e pelo poder vigente, e por isso, diversos tipos de crimes estão relacionados às relações de poder e das desigualdades no interior de uma sociedade, sendo o seu contexto o aspecto determinante. A forma como o crime é entendido, afeta diretamente as políticas desenvolvidas para combatê-lo. Para diminuir as taxas de criminalidade, o caminho é a associação da liberdade, igualdade e justiça social. Esta associação envolve política.

O poder é um aspecto que permeia todas as relações humanas. Existem as habilidades de pessoas ou grupos para atingir um objetivo e ampliar interesses que defendem. Para tanto, acaba havendo lutas em torno dessa busca, sendo que o grau dessas lutas determina até que ponto poderão realizar seus desejos à custa dos outros. Outro importante clássico da Sociologia, Max Weber, define como “o poder é a probabilidade de impor a própria vontade dentro de uma relação social, mesmo contra toda a resistência e qualquer que seja o fundamento dessa probabilidade”. Já a dominação para Weber, é a probabilidade de encontrar obediência dentro de um grupo ou um certo mandato, ou seja, poder + legitimação = dominação. Para ele há três tipos de dominação: legal (forma oficial – regra estatuída), tradicional (forma pelo respeito à tradição – crença na santidade, senhorial e patriarcal) e carismática (forma instável – força mística e devoção afetiva). Para esse autor, o Estado é um instrumento de dominação que se apoia na Constituição e possui o monopólio da violência legítima.

Por último, traz-se a questão da violência de gênero. Para o sociólogo Anthony Giddens, as identidades de gênero masculino e feminino são construídas socialmente, sexo se refere às diferenças anatômicas e fisiológicas entre corpos; enquanto gênero diz respeito às diferenças culturais, psicológicas e sociais; já a sexualidade é sobre a orientação sexual. As mulheres, historicamente, foram socializadas para a esfera privada e os homens, para a esfera pública. Ou seja, até hoje ambos acabam cumprindo papeis diferentes na sociedade, ainda muito pautada pelas relações de poder. A violação da mulher está relacionada com a associação entre masculinidade, poder, domínio e força. O patriarcado é uma dominação tradicional dos homens sobre as mulheres, e mantém um sistema de intimidação masculina de superioridade. O feminismo, com suas variadas vertentes (igualdade e equidade de gênero), combate a dominação masculina e as instituições patriarcais existentes. Desde a década de 70 do século passado, fala-se da importância da criminologia feminista para sensibilizar a sociedade em relação aos crimes contra as mulheres, e integrar esses crimes no debate.

A violência contra a mulher demonstra claramente que a relação de poder não é cultural, mas sim como fruto de uma dominação tradicional (patriarcado), e o crime acaba sendo a expressão máxima dessa violência, seja pelo assédio sexual, abuso sexual ou estupro, violência doméstica e feminicídio. O termo feminicídio foi usado pela primeira vez em 1976, pela socióloga Diana Russel, que define como assassinato de mulheres pelo simples fato de serem mulheres, e para isso ocorrer a misoginia está presente. No Brasil, o crime de feminicídio é tipificado por lei desde 2015, e a violência doméstica, lei Maria da Penha, desde 2006. Nessa última lei estão previstos cinco tipos de violência doméstica contra a mulher: física, psicológica, moral, sexual e patrimonial.

Mesmo quando não existe crime, há uma relação constante de intimidação masculina que mantém as mulheres amedrontadas no cotidiano, devido a mentalidade construída socialmente de que o homem pode ter as mulheres sob seu poder, que vai desde a objetificação sexual, relacionamentos abusivos, ou simplesmente o termo normalizado de “minha mulher” no lugar de esposa. O caso do DJ Ivi é um exemplo típico de como uma estrutura social opera, na prática, num país como o Brasil, que possui altos índices de violência contra a mulher, como quinto país que mais mata mulheres no mundo (feminicídio) e a cada dois minutos uma mulher é agredida (violências variadas). Ressaltando que não são casos isolados, mas sim uma relação de poder abusiva que deve ser rompida.

Para finalizar, apresentam-se aqui alguns questionamentos: como construir uma sociedade baseada no respeito à diversidade, à equidade e à igualdade de direitos e oportunidade entre homens e mulheres? Como construir um sistema de distribuição de poderes de gênero para evitar o abuso de poder? A violência de gênero nas suas variadas formas é um abuso de poder. O poder tripartite que possuímos na composição do executivo, judiciário e legislativo existe devido à teoria de Montesquieu para justamente evitar o abuso do poder numa democracia (apenas para uma analogia). Tudo perpassa pelos recortes de classe social, raça social e gênero na sociedade, e ter consciência social disso é necessário.

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PS: Antes que me perguntem o porquê não trouxe mulheres clássicas da Sociologia para embasar o texto, vos digo um fato machista: o cânone acadêmico da Sociologia nunca reconheceu as mulheres intelectuais como clássicas, e por isso hoje há um movimento para o reconhecimento de mulheres, como a pioneira Harriet Martineau do século XIX.

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Referências

DURKHEIM, Émile. As regras do método sociológico. São Paulo: Martin Claret, 2001.

GIDDENS, Anthony. Sociologia. Porto Alegre, Artmed, 2004.

MICHAUD, Yves. A violência. São Paulo: Editora Ática, 1989.

WEBER, Max. Economia e Sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. 4. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2009.

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