Projeto ‘Saberes que Dançam’ propõe vivência cultural antirracista e de combate à intolerância religiosa por meio da dança

O espetáculo ‘Onà’, criação solo de Eduardo Cunha, bacharel em Dança pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA), ganha uma temporada especial voltada para estudantes de escolas públicas das zonas periféricas de Manaus.

A proposta rompe com o modelo tradicional de levar apresentações culturais às escolas: os alunos serão conduzidos até o Teatro da Instalação para vivenciar a obra no espaço cênico.

A temporada conta com três sessões abertas ao público, todas no Teatro da Instalação: a primeira será na próxima terça-feira (9/7), às 9h30; as demais ocorrem na sexta-feira (11/7), às 9h30 e às 15h. O espetáculo gratuito tem duração de 35 minutos e é livre para todos os públicos, sem classificação indicativa.

A temporada faz parte do projeto Saberes que Dançam, que busca oferecer mais do que uma experiência estética.

O objetivo é proporcionar uma jornada de sensibilização, reconhecimento e fortalecimento da identidade racial e cultural, principalmente para jovens negros e negras.

Através da linguagem da dança, o projeto incentiva a reflexão sobre a história da população afro-brasileira e a valorização de sua cultura.

“É importante que esses estudantes se vejam nos palcos, nos teatros, nos lugares de poder simbólico. É um convite para que reconheçam sua própria história”, afirma Eduardo Cunha, que também é produtor cultural.

Uma trajetória ancestral em cinco cenas
Inspirado na palavra iorubá Onà, que significa “caminho”, o espetáculo é resultado da pesquisa de conclusão de curso de Eduardo Cunha. A obra funde os estudos coreográficos do respeitado coreógrafo William Forsythe com a capoeira, arte afro-brasileira de luta e dança.

Em cena, o corpo do intérprete é atravessado por memórias e resistências, construindo cinco momentos: Em Silêncio, Sussurros, Ginga, Mata e Batuque.

“O título Em Silêncio se inspira no momento em que a capoeira surge às escondidas, ao som dos instrumentos que serviam para alertar os capoeiristas a camuflarem a luta em dança. Inspira-se também nas tentativas de fuga das senzalas e fazendas, nos açoites e maus-tratos quando pegos nessa tentativa”, explica Eduardo.

Cada etapa coreográfica representa aspectos da história da escravidão e da resistência negra no Brasil, como as fugas para os quilombos, a repressão à capoeira, os sussurros entre povos de línguas diferentes e a força ancestral do batuque.

“Trazidos de diferentes partes de África, os negros eram separados para não se entenderem. Sem partilhar o mesmo idioma, restavam os sussurros, os gestos, os olhares. Na ausência da palavra, nascia uma forma silenciosa de resistir”, revela Cunha.

O espetáculo também conta com trilha sonora original, criada pelo próprio artista, e executada ao vivo com violoncelo, percussão e elementos eletrônicos. Além disso, Eduardo Cunha é o responsável por toda a concepção do espetáculo, atuando na direção geral, artística, figurino, iluminação e a interpretação.

Entre a dança e o pertencimento
Além da experiência estética, o projeto se ancora em um compromisso pedagógico e social.

Segundo o multiartista, a intenção é contribuir para o fortalecimento da identidade racial de jovens que, muitas vezes, não se reconhecem como pessoas negras, mesmo vivendo realidades atravessadas pelo racismo.

“Onà” propõe um reencontro com a ancestralidade e oferece ferramentas para enfrentar o racismo e a intolerância religiosa. O espetáculo trabalha com a valorização dos saberes afro-brasileiros, tanto na dança quanto nas expressões espirituais, promovendo o respeito à diversidade cultural e religiosa.

“Quando comecei a trabalhar com danças populares e folclóricas, especialmente a swingueira, vi o quanto esses corpos eram marginalizados. Mas são justamente esses corpos que carregam história, potência e beleza”, afirmou o coreógrafo.

Valorização dos equipamentos culturais e acessibilidade
A ida ao Teatro da Instalação representa também o reconhecimento simbólico de que esse espaço pertence a todos.

“A presença dos estudantes da periferia nesse ambiente contribui para o fortalecimento da autoestima coletiva e o acesso efetivo à arte e à cultura”, enfatiza.

O projeto também adota medidas de acessibilidade, como a presença de intérprete de Libras durante todo o espetáculo.

Segundo Eduardo, a equipe técnica está sensibilizada para garantir uma comunicação inclusiva e proporcionar uma experiência acolhedora e significativa.

Por mais espectadores e protagonismo negro
A temporada do espetáculo integra uma proposta mais ampla de formação de público, de estímulo ao protagonismo negro na cena cultural amazônica e de promoção de políticas afirmativas através da arte.

“Este trabalho é também sobre mim, sobre os caminhos que trilhei enquanto artista periférico, negro e independente. É meu corpo dizendo: eu existo, eu tenho história e eu danço”, conclui Eduardo.

O projeto foi contemplado por meio do Edital Nº 04/2023 de Chamamento Público para Povo Negro, Povos Tradicionais de Terreiro e/ou Comunidades, da Lei Paulo Gustavo, da Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa (SEC/AM).

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